sábado, 4 de julho de 2009

Aqui jaz

Está lá. Morto e estirado em meio a cidade, mas quase ninguém o percebe. Está sujo e irreconhecível. Maltratado. Dizem que era bonito e alegre, quando vivo. Corria por quilômetros - incansável - e fazia a alegia de muitos.

Mas ele foi se deteriorando com o tempo, por causa das más companhias. Obrigaram-no até a mudar de rumo. E com o tempo ele foi se habituando a viver em meio ao lixo. E o lixo se acostumou a viver com ele. Ou nele. E era lixo de todo tipo...

Frequentemente ele perdia o controle e transbordava em lágrimas - escuras e espessas. Não suportava mais viver assim. Até que morreu. Ou melhor, foi morto. Triste sina e triste cena.

Hoje está lá, o cadáver estendido. Fedido e gelado. Sem vida. Seu nome era Rio Pinheiros. Aqui jaz.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Sim, to indignada
Fiz quatro anos de jornalismo
E o diploma não serve pra nada
Estou em dúvida se eu o guardo
Ou só jogo na privada
Agora pego o meu lirismo
E toco essa toada
Que cresça a taxa de analfabetismo
Pq aqui tudo é piada
Ainda disseram que jornalista
não representa perigo a ninguém
Ah, meus caros juízes,
Vocês não me conhecem tão bem...

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Pobre cachorro

A pulga te pica, te irrita, te coça?
Pobre cachorro!
Não sabe da vida, não sabe do mundo,
Da tragédia que se passa lá fora.
Só come e se coça, dorme e acorda
Sem ter hora.
Seu problema é pequeno,
Do tamanho de uma pulga.
Você não estuda nem trabalha,
Não tem contas pra pagar.
Só revira uns lixos aqui e acolá.
Late pra uns, faz festa pra outros...
Corre atrás do próprio rabo
E não de um ônibus, como eu.
Então fica quieto e me deixe dormir, pulguento.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

03:55am

A insônia mais uma vez uiva pra mim
E o tic-tac do relógio me irrita mais
A hora vai passando e eu nem vejo
Só escuto e só estou
Só eu acordada em casa

O corpo e o cérebro estão brigando nesse momento
O primeiro tá cansado e deseja esticar-se no colchão
Mas o cérebro, senhor de si, não quer parar nem descansar
A todo vapor, em plena madrugada, ele imagina, reflete, questiona

Então os ossos, músculos e nervos - indignados - rebelam-se
E vêm as dores
O estômago se junta a eles e começa a roncar
Mas o órgão da razão chega à conclusão que levantar pra pegar comida e depois re-escovar os dentes não valeria tão a pena nesse frio.
Fiquemos embaixo do cobertor, mesmo.

Se me visse agora, minha mãe diria: "É toda ao contrário, essa menina!"
Vai lá, cérebro, explica pra ela!
Que não é de propósito.
Que eu não escolhi.
Afinal, a culpa é sua.
Onde é o botão pra desligar você?

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Pulando o muro

Desde pequena sempre fui muito moleca. Acho que pelo fato das minhas irmãs serem muito mais velhas que eu e por brincar mais com meus irmãos. Não que meus pais não tentassem me mudar... Ganhava bonecas e as rabiscava de caneta, pra depois jogá-las no fundo do armário. Lembro de duas delas: uma fazia "Smack" quando vc apertava os braços e era ruiva, herança de uma das minhas irmãs; a outra tinha mais de um metro de altura. Mas ambas tiveram o mesmo trágico destino...

Cabelo? Esse era um grande problema. Eu acordava e amarrava de qualquer jeito pra não me atrapalhar quando corresse. Pente? Hahaha... Quando minha mãe pegava esse objeto estranho eu só queria correr... Vivia descabelada e parecia um menino, mas nem ligava pro que falavam. Enquanto a minha atual melhor amiga brincava com outra pessoa na praça de Barbie, Ken e etc, eu tava lá, no meio dos meninos, subindo nas árvores.

Eu brincava de futebol descalça e abria o dedão quando chutava o chão por engano. Brincava de corrida até tropeçar e cair, ou de esconde-esconde até o cachorro chato da vizinha morder minha panturrilha... essa minha mãe não sabe até hoje. Eu estava escondida atrás de um carro até que NHAC! Ele me mordeu. Sacudi a perna pra ele sair, corri pra "salvar o mundo", fui até a mangueira da garagem de casa e lavei o sangue que escorria da perna. Como não foi nada grave, botei dois band aids e voltei pra rua.

Outra coisa que eu adorava era inventar... criava brincadeiras, histórias e também mentiras pra escapar de algumas confusões, como a do dia em que pulei um portão pela primeira vez. Fui brincar de esconde-esconde e resolvi me esconder em uma casa abandonada do bairro. Mas, oh, não fui só eu que tive a brilhante idéia. Como o muro e o portão da casa eram baixos, foi o local que umas 10 crianças escolheram. Enquanto a maioria subia pelo muro que, por ter um buraco, era mais fácil e rápido, vi um menino pular pelo portão. Pensei "ué, se ele pode, eu posso" e lá fui eu.

Eu vestia um novinho macacão-bermuda feito de jeans e uma blusinha sei lá que cor e ouvia a contagem regressiva de quem ia procurar cada vez mais próxima do fim. Afoita, subi correndo aquele portaõzinho preto de 1,5m de altura com lanças brilhantemente prateadas. Ah, se eu tivesse prestado mais atenção a elas... Com toda minha coragem de uns 7 ou 8 anos de molecagem, cheguei ao topo do portão e pulei com tudo rumo ao chão... mas não cheguei até ele. Sem entender direito, olhei pra baixo, para os lados, para trás e percebi que minha bermuda tinha enganchado em uma lança do portão. Tive um minuto de susto pensando que podia ter rasgado minha perna em vez do macacão. Mas como ouvi o "lá vou eeeeu", me soltei da lança, pulei e me escondi junto com os meninos, que me olhavam assustados e sem saber se riam ou não. E assim não fui descoberta. Nem pelo que garoto que batia cara nem pela minha mãe, que quase bateu em mim quando viu o estado em que voltei da rua "sem saber" como aquilo tinha acontecido com a roupa...

Da séria série "Conte seu conto!" - By Camila Trindade


Pés em poças

Sempre gostei muito de andar descalço. Quando criança, me sentia extremamente satisfeita assim que meus pés sentiam a aspereza do asfalto, as cócegas causadas pelas pedras no chão de terra, os vãos entre os paralelepípedos... Ah, como eram boas tais sensações!

Quantas vezes esfolei o dedão na guia e voltei a brincar, com chinelos por imposição de minha mãe, após enfiar o pé no tanque, embaixo da torneira, e amarrar o ferimento com um pedaço de pano qualquer. Mas os chinelos logo viravam trave de gol, marcavam as linhas do “rouba bandeira”, ou eram simplesmente abandonados na sarjeta... Pés no chão. Diretamente no chão. Sem barreiras de borracha ou couro, sem medo de infecções ou pudores impostos por possíveis reações de outros.

Mas mesmo gostando tanto, havia esquecido o valor de cada pisada sem tênis que minimizam impacto, sandálias que dão firmeza ao pisar ou calçados anatômicos e ortopédicos. Minha reestréia no mundo dos descalços voluntários nunca teve data marcada, aconteceu de um imprevisto, de um mero acaso. Originou-se da minha falta de coordenação motora... Num sábado chuvoso, em plena Avenida Paulista.

Um par de sandálias quase arrebentando é um risco que eu sempre faço questão de correr. Na chuva, um risco potencializado.Caminhei sob uma garoa fina por um bom tempo, até que a tal garoa virou chuva torrencial. Recuei até o ponto de ônibus pelo qual havia passado há uns trinta segundos. A chuva passou ... Eu fui... e meu pisante também se foi. Meus pés, “tão ágeis”, foram traídos pelas poças d’água.

Eu estava perto do Masp, caminharia até a Consolação, como faço todos os sábados religiosamente. Um pé do meu par de sandálias arrebentou, me deixando com ambas nas mãos, até jogá-las na primeira lixeira que encontrei. Meus pés passaram a tocar o revestimento cinza da calçada. Segui meu caminho de cabeça erguida, pisando no chão encharcado, atravessando faixas de pedestres, sentindo a aspereza do asfalto, os vãos entre as plaquetas de piche da nova passeio público da avenida. A água penetrava entre meus dedos. Ah, como era boa tal sensação!

Caminhei, como de costume, até a Consolação. Curti cada passo como se ainda fosse um costume, cultivado desde a infância, descalçar os pés para participar das brincadeiras na rua. Observei a rua. Observei outros pés, que diferentemente dos meus, estavam calçados, protegidos do frio e privados da oportunidade que eu tinha naquele instante... Caminhei até chegar em uma loja de sapatos. Entrei e comprei um All Star. O All Star que simboliza os pudores do mundo adulto, calçado.

Mas caminhei, descalça, por mais de um quilômetro. Sem pudores, sem perceber olhares. Pés no chão. Diretamente no chão. Sem barreiras de borracha ou couro, até encontrar uma loja de sapatos na Avenida Paulista.

Publicado originalmente em: http://pseudobabaculismos.zip.net/arch2008-06-22_2008-06-28.html

domingo, 3 de maio de 2009

De_prê

Eu vejo apenas dias cinzentos
Pesados e frios
Que nem eu aguento
Viver mais esta agonia lenta
Que não melhora nem vai embora
Só aumenta.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

O Buraco do Tatu e A Vaca no Muro.

Quando eu era pequena (sim, um dia eu fui pequena), a sala de casa tinha um daqueles sofás de canto. Mas no canto da parede, em vez de mais uma almofada, havia uma espécie de baú, quadrado, com 1m de largura, 1m de comprimento e uns 50cm de profundidade – isso pelo que me recordo. Lá era, segundo meus irmãos mais velhos, o temido “Buraco do Tatu”. Soube que malcriações e desobediências davam direito ao passaporte do terror: ser trancada lá, no Buraco do Tatu. E eu, com meus imponentes 4 ou 5 anos, morria de medo de ir parar lá, mesmo sabendo, no fundo, no fundo, que aquele espaço servia apenas para guardar – leia-se salvar dos ataques dos nossos 18 gatos de estimação – os novelos de lã que minha mãe usava para tricotar.

Ah, esses irmãos mais velhos... também me assustavam com gritos de “Olha a vaca no muuuro” ao me deixarem presa no quintal. Engraçado que hoje lembro que imaginava uma horrenda vaca escura (será parente do boi da cara preta?), me olhando de forma ameaçadora, de cima de um muro de 3m de altura. Nunca me perguntei como poderia ela ter chegado ali. É, não basta ser irmão, tem que ser cruel.

Mas crueldade maior era me dizer que tinham matado aquela barata que vi no meu quarto, sendo que, na verdade, ela tinha se escondido atrás de algum móvel que tiveram preguiça de arrastar. Eu voltava, agradecida e tranqüila, ao meu quarto e, quando menos esperava, lá estava ela, a barata, me enfrentando novamente. Quanta raiva me fizeram passar... Pior que EU era a mais nova, tinha CINCO irmãos pra me atormentar. Éramo seis... até que... minha mãe anunciou que estava grávida. Ufa, daqui algum tempo o alvo ia mudar! E assim foi. O Buraco do Tatu não estava mais lá, pois já tinham trocado o sofá.

Mas irmão mais velho é criativo, né... transformaram a estátua do bandeirante Borba Gato, na Av. Santo Amaro, no temido “Carlão”. Ok, um “homem” daquele tamanho com uma espingarda na mão realmente assusta mais que um baú. Tanto que meu irmão mais novo – traumatizado, talvez - criou no Orkut a comunidade “Eu tenho medo do Borba Gato”. E a vaca no muro... ah, essa nunca saiu de lá!

quinta-feira, 12 de março de 2009

Vazio

Dentro de mim tem um vazio. Na verdade eu não sei se é dentro mesmo ou se eu que estou dentro dele. É uma fase? É uma sina? Só sei que muita coisa não tem sentido. Uma antiga paixão, o Jornalismo, hoje pra mim é uma interrogação, quem sabe um abismo.
Ah, essa mania de rimar tudo. Isso acaba comigo. Então, volta Denise. Aqui é na prosa.

Estou agora num lugar em que olho pros lados e me pergunto “o-que-que-eu-to-fazendo-aqui-hein???”. Vou ao banheiro, me debruço na grande janela. Grande na altura, mas pequena na largura, o que dificulta meu ato de “debruçamento”. Olho pros lados: ora é o Largo da Batata, ora é a mulher que passa roupa na área de serviço de um apê no prédio vizinho, ora são os alunos de uma escola que passam pela rua conversando e dando risada. Pra mim, todos são grandes interrogações. Mas eu gosto de observar os outros, tipos Big Brother.

Aí o sol brando lá fora me chama e eu quero ir com ele. A sensação do quentinho, um calorzinho bom que me faz esquecer o frio desse bendito ar condicionado que não presta. E eu aqui presa nesse escritório, escondida no banheiro, me alongando pra dor nas costas passar. Sempre que olho na janela fico pensando se uma pessoa morreria se pulasse do sexto andar. Mas é só um pensamento. Eu não teria coragem e nem teria porquê. Olho de novo o Largo da Batata. Do alto, não parece ser tão feio quanto a realidade.

Falando em realidade, alguém tenta abrir a porta do banheiro. Acabou meu momento de descompressão. Vamos pra baia de novo. Ouvir as mesmas vozes, o mesmo telefone e sentir o mesmo frio do mesmo (e velho) ar condicionado. Tchau, minha janela favorita. Preciso ir.